Diósnio Machado Neto
(Universidade de São Paulo; GT RIdIM-Brasil - SP)
A iconografia musical no acervo da Pinacoteca de São Paulo: a construção de uma identidade numa sociedade em transição
A Pinacoteca do Estado de São Paulo surgiu em 1905, quando a sociedade paulista estava num profundo processo de transformação. A antiga elite agrícola pouco a pouco se estabelecia na cidade de São Paulo impulsionando com o seu poder econômico diversas mudanças no padrão de urbanização, assim como de relações sociais. Entre essa data e 1920, a região se tornaria conhecida por sua pujança industrial. Assim, se por um lado a elite agrícola tenha a preponderância do capital e projetava um sistema civilizatório em modelos europeus, por outro lado toda uma população de trabalhadores, entre nativos, migrantes de zonas rurais e imigrantes de diversas nacionalidades, começava a formar um complexo sistema social, que, em inúmeras ocasiões se faziam representar por formas de expressões culturais conflitantes com os detentores do poder. Era um conflito de identidades, nem sempre geométrico. Isso porque, a sociedade em questão poderia ser separada por classes econômicas, porém questões como etnia e expressões culturais num ambiente de forte miscigenação enfraqueciam o estabelecimento de regimentos fortes de representação e preponderância cultural. A própria discussão de identidade mergulhava num processo de dissolução de padrões do que seria o homem paulista. Enfrentavam-se modelos: do nativo rural, como o caipira, ao desbravador intrépido, como o bandeirantes; entre a cultura espontânea do matuto e a ordem civilizatória da cultura artística de padrões centro-europeu; ambas mergulhadas numa região onde o imigrante italiano impunha até mesmo regiões de exclusão da língua nativa. Na música o debate também ocorria polarizado. O cenário lírico, por exemplo, dividia-se entre a ópera séria italiana e a opereta ligeira que a cada dia tornava-se preponderante nas salas de espetáculo que surgiam aos borbotões desde a virada do século. Os cafés-concertos e cabarés também cresciam, impulsionando um universo das canções a um público cada dia maior. Por fim, o Movimento Modernista que trazia a crítica ao academicismo e impulsionava um discurso nacionalista. É nessa ordem de debate que podemos traçar alguns discursos de sentido identitário envolvendo a música que estiveram desde o primeiro momento na formação do acervo da Pinacoteca. Descreve-se a ideia da música de raiz, nas telas de Almeida Junior, assim como o melhor ambiente de cultura artística, como Hora da Música, de Oscar Pereira da Silva. O objetivo dessa comunicação é apresentar os pontos de apoio de alguns discursos sobre a música na nova sociedade paulista, explorando a representação do regionalismo cultural via o nativismo caipira até a tipificação da cultura artística nas representações das práticas musicais da elite. A comunicação assim segue estudos já apresentados em edições anteriores focando os acervos paulistas.
Breve Biografia
Diósnio Machado Neto é Professor Livre Docente do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (DM-FFCLRP/USP), nas disciplinas de História da Música e Música Brasileira. Neste departamento coordena o Laboratório de Musicologia (LAMUS) desde sua criação, em 2007. É professor da área de Musicologia do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Desenvolve pesquisas na área de música e discurso, dividida em três linhas de pesquisa: música e linguagem; música e jornalismo e iconografia musical. Integra núcleos de pesquisa internacionais como o Núcleo Caravelas, do CESEM/Universidade Nova de Lisboa e o RIIA – Italo-Ibérico-Americano Relantionsships (IMS Study Group). É autor do livro Administrando a Festa: Música e Iluminismo no Brasil colonial. Foi distinguido com Menção Honrosa no Prêmio Capes de Teses de 2009.